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História da Macrobiótica

A palavra macrobiótica é relativamente bem conhecida em Portugal, mesmo se muitas vezes a interpretação do que esta é ou não é possa ser errónea. Para a vasta maioria das pessoas, a macrobiótica é um sistema alimentar, uma dieta restrita e pouco saborosa que pode ajudar a prevenir doenças ou, nalguns casos, tratá-las.
Na realidade, a macrobiótica é muito mais do que uma simples dieta, é uma filosofia e um estilo de vida que tem como objectivo último ajudar a criar seres humanos mais íntegros, saudáveis e responsáveis e consequentemente uma sociedade mais pacífica e espiritualizada.
A prática alimentar é de suma importância mas não o único factor desta filosofia e, apesar de relativamente simples nos seus princípios alimentares este regime é extraordinariamente versátil, saboroso e saudável.
Nesta série de artigos, tentarei fazer um resumo da história deste movimento ao longo dos tempos; por questões de espaço este resumo será manifestamente incompleto, mas tentarei mencionar as pessoas e factos que me parecem ser mais relevantes.
De filósofos gregos a escritores, historiadores e cientistas muitas pessoas no decurso da história humana professaram princípios quer filosóficos quer alimentares ou de saúde, semelhantes aqueles que actualmente chamamos de macrobiótica.
No entanto, nos tempos modernos a palavra parece ter sido cunhada no séc. XVIII por um médico alemão chamado Christopher Von Hufeland. Von Hufeland foi o médico pessoal de Goethe e em 1796 escreveu o livro “Macrobiótica ou a Arte de Prolongar a Vida Humana”. Para este médico, que praticou na altura em que viveu uma forma invulgar de medicina, o segredo para uma vida saudável e longa era a cultivação apropriada da “Força da Vida” e existem inúmeros paralelos entre as recomendações de Von Hufeland e as recomendações macrobióticas dos tempos modernos.
Um século antes no Japão, Ekken Kaibara (1630-1716), um ávido estudioso da natureza e dos princípios éticos e socais escreveu o livro Yojokun, traduzido com o nome Segredos Japoneses para uma Boa Saúde ; para Kaibara a saúde e a felicidade, tal como a doença e a infelicidade são a criação de cada um e algumas das suas muitas observações incluem: “Cada um tem a vida nas suas mãos”, “A doença nunca surge sem razão” ou “As calamidades advém daquilo que dizemos e a doença daquilo que colocamos na boca”.
Kaibara foi não apenas um filósofo mas alguém que verdadeiramente praticou aquilo que ensinou: aos 83 anos ainda tinha todos os dentes e conseguia ler e escrever perfeitamente, sem o uso de óculos.
A macrobiótica na sua vertente moderna, inicia-se no entanto no séc. XIX com um médico japonês, Sagen Ishizuka (1850-1910). Ishizuka foi treinado segundo os melhores princípios médicos da Europa e exerceu medicina como médico do exército até ter contraído uma doença renal incurável. Começou a estudar os clássicos de medicina oriental e curou-se rapidamente mudando de alimentação.
A partir daí começou a fazer experiências consigo mesmo e chegou à conclusão que a alimentação era a causa principal de todas as doenças e de todos os problemas humanos particularmente, segundo ele, o desequilíbrio entre sódio (Na) e potássio (K) no regime alimentar. Ishizuka falava 4 ou 5 idiomas diferentes, estudou exaustivamente quase todas as áreas do conhecimento humano e foi famosíssimo no Japão.
O legado de Sagen Ishizuka é verdadeiramente extraordinário, para alguém que viveu na sua era: conseguiu questionar com sucesso os princípios da medicina alopática e nutrição modernas; criou um sistema eficaz para a edificação de seres humanos mais sãos, sistema esse que era acima de tudo alimentado por um sonho de um mundo de paz.
Ishizuka foi o criador da primeira organização macrobiótica mundial a que deu o nome de Shoku-Yo Kai.
George Ohsawa (1893-1966), de seu verdadeiro nome Yukikazu Sakurazawa, foi a pessoa que assumiu a direcção da Shoku-Yo Kai uns quantos anos após a morte de Ishizuka Sagen e que, mais do que qualquer outro, contribuiu para a expansão da Macrobiótica no Japão, Europa e América.
Ohsawa foi um pensador original, um escritor incansável, orador e activista social e foi ele que, após Von Hufeland, voltou a utilizar o nome macrobiótica quando em 1929 decidiu vir viver para a Europa, com o fim único de tornar a macrobiótica conhecida no Ocidente, particularmente pelos grandes intelectuais da época, de quem ele era um ávido leitor e admirador.
Dotado de um carisma inigualável, George Ohsawa deu milhares de conferências na Europa, particularmente na França e em Bélgica e reuniu um bom número de discípulos como Michio e Aveline Kushi, Herman e Cornelia Aihara, Tomio e Bernardete Kikuchi, Françoise Riviére, Shizuko Yamamoto e muitos outros que, um pouco por todo o Mundo, continuaram o seu trabalho até agora.
Ohsawa foi um verdadeiro activista político que escreveu cartas a quase todas as pessoas mais influentes no Mundo da época como Truman, Einstein ou Estaline, encontrou-se com Albert Schweitzer, médico e prémio Nobel da Paz, no Congo Belga, fez experiências com transmutações químicas e, na minha opinião, contribuiu grandemente para muitas das ideias sobre saúde natural, ecologia e ambiente, equilíbrio social, que hoje aceitamos de mão beijada.
No próximo artigo, continuarei a escrever sobre Ohsawa, Kushi e o desenvolvimento da Macrobiótica até aos dias de hoje.
HISTÓRIA DA MACROBIÓTICA – 2ª PARTE
George Ohsawa morreu no Japão em 1966, após uma vida vivida com uma determinação e coragem extraordinárias.
Depois da sua morte, o movimento macrobiótico continuou a expandir-se um pouco por todo o Mundo, liderado pelos seus discípulos mais directos:
Michio e Aveline Kushi, Herman e Cornelia Aihara, Shizuko Yamamoto e Noboru Muramoto nos Estados Unidos, Françoise Riviére e René Levy em França, Clim Yoshimi na Bélgica, Eb Nakamura e Augustine Kawano na Alemanha, Ilse Clausnitzerna Suécia, Tomio e Bernadette Kikuchi no Brasil, Hideo Ohmori, Okada, Lima Ohsawa, no Japão, citando apenas os mais importantes.
Em Portugal, o movimento macrobiótico só começa por volta de 1975 por intermédio de José Galamba, Abel Trancoso e outros, e tanto quanto me é possível lembrar a primeira palestra sobre macrobiótica em Lisboa foi proferida pelo médico espanhol Dr.Vicente Ser, também ele um discípulo de George Ohsawa.
De entre todos os discípulos de Ohsawa, Michio Kushi foi aquele que indubitavelmente mais difundiu o movimento em todo o Mundo, pelo que começarei este artigo, relatando, seguramente de forma incompleta, o seu trajecto e contributo para o movimento macrobiótico e para a sociedade em geral.
Michio Kushi nasceu no Japão em 1926 e movido por o sonho de um Mundo de Paz, particularmente após testemunhar a destruição causada pela 2ª Guerra Mundial, decidiu formar-se em Direito Internacional com o intuito de ajudar a estabelecer as bases para a criação de um governo mundial, movimento que surgiu após a guerra e que tinha proponentes como Albert Einstein, Thomas Mann, Upton Sinclair, entre muitos outros.
Kushi conheceu Ohsawa em Tóquio em 1948 e desde o primeiro encontro que surgiu uma enorme empatia entre os dois. Kushi tinha apenas 22 anos, não compreendeu muito bem as ideias de Ohsawa mas houve algo na sua personalidade que o atraiu enormemente.
Em 1949, Michio Kushi parte para S. Francisco nos Estados Unidos, com o apoio deOhsawa, Norman Cousins (um diplomata americano), Professor Shigeru Nanbara e do Reverendo Toyohiko Kagawa, com o intuito de se doutorar em Direito Internacional e com a intenção vaga de difundir a Macrobiótica e os ensinamentos deOhsawa.
Quando nos Estados Unidos, termina os seus estudos e começa a sentir-se frustrado com a incapacidade da ciência política para criar um mundo de paz e pouco a pouco os ensinamentos de Ohsawa começam a fazer sentido – para Ohsawa a paz podia ser criada através da aplicação do monismo dialéctico à alimentação.
Em 1951, Aveline Kushi vai para os Estados Unidos e casam-se, começando os dois a trabalhar em prol do desenvolvimento da Macrobiótica.
Em 1952, Herman Aihara parte também do Japão para a América, e os Kushiscomeçam a trabalhar com os Aihara em Nova Iorque. Herman casa com Cornelia em 1955 e os dois casais passam a ser os principais dinamizadores na Costa Leste dos Estados Unidos.
Em 1961, os Aihara decidem mudar-se para a Califórnia onde começam um centro macrobiótico, e em 1964 os Kushi, cada vez mais insatisfeitos com a cidade de Nova Iorque decidem mudar-se para Boston, Massachussets.
Em Boston, os Kushi dedicam-se exclusivamente às actividades macrobióticas e fundam a East West Foundation , o restaurante Sanae , a primeira empresa de produtos naturais na América, Erewhon, a revista East West Journal e a distribuidora de livros Tao Books.
Os finais dos anos 60 e o inicio dos anos 70 são um período de enorme crescimento para o movimento macrobiótico e de produtos naturais nos Estados Unidos e centenas de estudantes vindos de toda a América juntam-se aos Kushi, criando as bases para uma autêntica revolução no modo de vida americano.
Em 1977 é fundado o Instituto Kushi de Boston, um ano depois do Instituto Kushi de Londres (iniciado por Bill Tara), que começa a atrair também estudantes estrangeiros, entre os quais eu, onde cheguei em Fevereiro de 1979.
As principal diferença entre Kushi e Ohsawa é que Kushi tentou traduzir para a cultura ocidental a, às vezes intraduzível, cultura oriental.
Também, Kushi influenciou decisivamente os muitos estudos posteriormente realizados sobre alimentação e saúde e contribuiu enormemente para a difusão de produtos naturais em todos os Estados Unidos e Europa.
Como reconhecimento do seu trabalho em prol da saúde e paz, o governo americano tem uma exposição sua no Smithsonian Institute em Washington e Kushi foi também convidado por Bill Clinton para criar directrizes alimentares para o povo americano.
Muito mais poderia escrever neste artigo, mas por limitações de espaço terei que terminar aqui. Continuarei a escrever sobre este tema nos próximos números.

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