Quantas vezes ouviu dizer que para ter um bom aporte proteico é necessário comer carne regularmente? E quantas vezes lhe perguntaram se a sua alimentação tem suficiente proteína?
A ideia prevalecente em relação à maioria das pessoas é de que a proteína animal é essencial e de que necessitamos de ingerir proteínas para termos energia; sem proteínas sentimo-nos mais cansados e não temos suficiente vitalidade para as actividades do dia a dia.
Dum ponto de vista nutricional tais ideias não têm qualquer fundamento científico: em primeiro lugar, a função da proteínas é de fornecer ao organismo, não a energia, mas os elementos necessários à construção, sobretudo em períodos de crescimento e à renovação celular a partir do estado adulto. O que nos fornece energia são os glúcidos (hidratos de carbono, açúcares) e de alguma forma os lípidos (gorduras).
As proteínas são essenciais mas não desempenham o papel quase mítico, que a maioria das pessoas lhe dá. Na realidade uma ingestão excessiva de proteína, comum à maioria das pessoas nos países ocidentais, afecta o organismo podendo provocar problemas nos rins, má assimilação de minerais conduzindo a problemas como a osteoporose, e é uma da principais causas de doenças cardiovasculares, em particular quando as proteínas ingeridas são maioritariamente de origem animal.
Em segundo lugar, não necessitamos de comer carne -ou mesmo peixe, ovos ou lacticínios – para ter quantidade suficiente de proteína. Apesar de eu pessoalmente comer ocasionalmente peixe, conheço um número enorme de pessoas em todo o Mundo que têm uma alimentação quase exclusivamente vegetariana há muitas anos, sem qualquer tipo de deficiência proteica.
Essencialmente as proteínas são substâncias cuja presença é constante nas células animais e vegetais e são obtidas pela polimerisação dos seus elementos primários apelidados de ácidos aminados ou aminoácidos. As proteínas são compostas essencialmente de 52,2% de carbono, 6,9% de hidrogénio, 21,5% de oxigénio e 16% de azoto.
Os aminoácidos são as substâncias que o corpo utiliza para fabricar as proteínas e considera-se que existem 8 ou 10 (segundo os diferentes autores) que são essenciais (não podem ser sintetizados pelo organismo): Isoleucina, Lleucina, Lisina, Metionina, Fenialanina, Treonina, Triptofano, Valina, Histidina e Arginina.
O conceito de que temos que comer alimentos de origem animal para obter todos os aminoácidos, advém do facto de só os produtos animais terem todos estes aminoácidos presentes, pelo que uma alimentação baseada em produtos de origem vegetal poderia ser carente nalguns aminoácidos essenciais. No entanto, se houver suficiente variedade na alimentação é quase impossível desenvolver carências proteicas: não é obviamente aconselhável seguir monodietas só à base de cereais ou vegetais ou frutos, mas se combinarmos os diferentes alimentos com bom senso ingerimos todos os aminoácidos sem qualquer problema.
Assim, os cereais têm de uma forma geral uma menor quantidade do aminoácido lisina enquanto que por exemplo as leguminosas têm menor quantidade do aminoácido triptofano; no entanto, quando na alimentação diária ingerimos cereais, leguminosas, sementes, os diferentes ácidos aminados combinam-se perfeitamente dando-nos um aporte proteico adequado. Em todas as culturas, ao longo da história se comeu arroz com feijão, trigo com lentilhas, broa de milho com grão ou outro feijão, etc. Apesar de esta teoria poder parecer um pouco complexa, na prática do dia a dia não necessitamos de contabilizar a quantidade de aminoácidos que ingerimos, desde que tenhamos uma alimentação variada, como amplamente explicado num livro famoso nos anos 80, “Diet for a Small Planet” de Frances More Lappe.
Um outro ponto a considerar é a forma como as proteínas são assimiladas, a Taxa Líquida de Proteínas Assimiláveis (em inglês, NPU ou Net Protein Utilization), ou seja o valor biológico e a digestibilidade das proteínas, o que determina a sua qualidade nutricional.
Interessantemente, a carne tem um NPU relativamente baixo em relação a outros alimentos como por exemplo o peixe, ou os ovos ou o leite, o que significa que a proteína presente na carne não é tão facilmente assimilável. O arroz integral por exemplo tem um NPU de 70, enquanto que a carne de porco ou frango têm um NPU de 65. O peixe tem um NPU de 80, pelo que a expressão “peixe não puxa carroça” não tem qualquer validade de um ponto de vista científico.
Caros leitores, fazendo uma breve pausa para reler este artigo, parece-me que estou a começar a ser demasiado técnico e um pouco fastidioso na forma como explico este assunto que afinal não é assim tão complicado, pelo que vou concluir fazendo um breve resumo:
A proteína não é necessária para termos energia, apesar de ser essencial na alimentação diária; preocuparmo-nos com carências proteicas com uma alimentação minimamente variada não faz sentido; na realidade no mundo moderno, existem (na minha opinião) muitos mais problemas provocados por ingestão excessiva de proteína do que por carências desta.
Não é necessário comermos carne para ter quantidade suficiente de proteínas – o peixe é muito melhor, não apenas pela proteína utilizável ser superior, mas também porque tem muito menos gordura saturada e contém ácidos gordos que se pensa serem preventivos de doenças cardiovasculares. A carne em excesso contribui para problemas como doenças cardíacas, artrite, gota, alguns tipos de cancro, entre outros males.
Existem alimentos de origem vegetal com uma enorme quantidade de proteína: leguminosas, Tofu, Seitan, Tempeh, Natto, oleaginosas e mesmo alguns vegetais como os cogumelos ou os brócolos. Não apenas estes produtos são saborosos como são muito mais saudáveis, baratos e ecológicos.