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ARTIGOS

Tempo da passagem

Prima Vere

Artigo 8 – Fevereiro

O tempo começa a dar sinais de mudança. Alguns dias chuvosos, outros com temperaturas mais amenas. Alguns dias mais cinzentos, sombrios, com nevoeiro e outros que trazem sol. Amplitudes térmicas grandes.

A mudança sente-se! É uma dinâmica que acontece por consequência do movimento da Terra, numa parceria com a companheira Lua, à volta do Sol.
Entender os movimentos de rotação (1 dia) e translação (1 ano) do nosso Planeta, à volta do Sol, é abraçar um fenómeno já antes vivenciado e constatado por outros povos. Povos que perceberam que existiam ciclos. Primeiramente, períodos só de calor ou só de frio. Depois, surge um entendimento mais profundo destas energias cíclicas. Constataram que existiam períodos intermédios: as estações amenas. Haviam momentos para semear, outros para deixar florescer; momentos mais oportunos para colher, outros para o pousio e, até, períodos para hibernar. Ciclos e dinâmicas que se repetiam, que eram contínuos, e dos quais podiam (re)tirar o melhor partido do meio, da Mãe-Natureza, trazendo benefícios a si mesmos, entre os quais o alimento para sobreviver, dando continuidade à espécie.

Os dias com mais luz trazem a vontade de sair e estar exterior. Trazem ânimo e calor ao dia e à alma; mesmo dias cinzentos ou chuvosos são mais ‘aceitáveis’, pois os períodos de chuva não se prolongam tanto, como no Inverno. As diferenças que se fazem sentir não chegam ‘por acaso’, representam uma fase de transição, o que permite uma adaptação ao tempo quente que se avizinha. São transições que abrem espaço à mudança. E este período de transição volta a surgir, mais à frente, a seguir ao Verão – no chamado Verão Tardio ou no Outono.

E como tenho vindo a abordar o tema das emoções é de reforçar que estas, mutam, transformam, oscilam, adaptam(-se), incomodam, reconfortam, mexem muito com o nosso interior; fazem-nos mover, mudar, avançar (a meu ver, essa será a sua primeira intenção) e, em simbiose com o Universo, têm as suas estações, trazendo ao de cima as que se fundem mais com o estado do tempo que se faz sentir lá fora.
Quando as emoções se encontram alinhadas entre interior e exterior, do nosso ser, a consciência individual está mais desperta; quando em desequilíbrio, há dificuldade de aceitação, não só do tempo instável, como dos pequenos desafios que surgem no dia-a-dia.
Tudo tem influência e tudo está interligado.

Entender e abraçar a troca entre ambientes (corpo-mente ou ambiente interno-externo, meio envolvente), é aceitar que o que nos move ou nos faz estagnar tem consequências físicas e emocionais. É também abraçar que as consequências são fruto, na maioria das vezes, das escolhas que fazemos diariamente, pela forma como desejamos, queremos e, efectivamente, vivemos.

Encontramo-nos num momento de viragem, de passagem. Depois de um período de latência, um período de hibernação, de reflexão e mergulho – período do Inverno (do latim hibernum), chega o tempo de nadar até à superfície. O tempo de (re)nascimento, de trazer ao de cima o que se projectou, pensou, trabalhou em águas profundas. A oportunidade de se germinar, de gerar e desenvolver. É a oportunidade da Primavera entrar em cena!

Primavera: uma palavra que pode ser dividida em 2. Do latim Prima: primeira e Vere: verão. O 1º Verão; o primeiro período do ano com temperaturas mais amenas. O primeiro tempo quente que se segue ao Inverno; o princípio da boa estação. A Primavera está associada à energia do elemento Árvore/Madeira e par de órgãos Fígado/Vesícula. Esta energia é ascendente. É a fase da criança, do adolescente. É a passagem do yin (Inverno – extremo yin) para o yang.
Na Primavera estamos na transição de pontos extremos das energia opostas/complementares: yin e yang. A emoção associada à Primavera é a Raiva/Ira. Raiva, do latim rabia/rabies – doença, delírio, violência; ou Ira. Emoções irmãs que trazem a cólera, a irritação, fúria, a agressão física/psicológica, ao de cima.

Para entender a Raiva/Ira, há que interligar esta emoção ao desempenho do par de órgãos Fígado/Vesícula – mente e físico na sua íntima conexão. No fígado é armazenado/filtrado o sangue que irá transportar o Qi (a energia vital) para o corpo. Se houver estagnação, resistência, neste mecanismo de limpeza, então, os restantes órgãos ficarão comprometidos. Haverá irritabilidade, incapacidade, frustração, o que leva a uma subida repentina da energia e as consequências físicas podem ser: olhos vermelhos ou dores de cabeça (a energia que dispara até ao “topo” do corpo). Uma das formas de evitar ou controlar a raiva/ira (ascendência rápida/intensa de energia), é partilhar, verbalizar, expressar, as nossas emoções. É procurar introduzir novas rotinas, novos alimentos (da estação e da época), novas formas de estimular e exercitar o corpo (aos poucos “levar” o exercício para exterior), de maneira a conciliar a energia interna, do organismo, com a externa, da Natureza/da estação. É saber controlar e transformar a energia emocional numa energia mais leve, contudo eficaz, e conduzi-la para onde é mais necessária.

Dentro do excesso ou da escassez, tem de existir espaço para que a energia ascenda, suba, para tonificar os órgãos, para alimentar as raízes do elemento Árvore. As raízes precisam de ser nutridas e encontrar equilíbrio para se elevarem na direcção do céu – para onde a energia deve seguir conduzida – e, assim, ajudarem no crescimento, serem alimento e sustento dos frutos, do sistema interno, do organismo.

Depois do 1º Verão – a Primavera – vem, efectivamente, o Verão, chamado de Estio. Estio é a estação mais quente, com mais calor, o período mais seco. A fase máxima da energia, da expansão – a máxima expansão yang! E dentro deste contexto é interessante perceber a origem da palavra Estio – do latim aestivus. Significa período quente e seco ou maturidade (a idade madura): no estio da vida.

O Verão é associado à fase madura da vida, a fase que se segue ao nascimento, que se segue à criança e ao adolescente (Primavera). Na visão Macrobiótica, as estações do ano estão conectadas às várias fases da vida e o Verão representa, precisamente, a fase da frutificação, do florescimento, “ter” o fruto. O momento da vitalidade, da expansão, do relacionamento; do ser-se maduro e abundante. A emoção do Verão é a alegria – tema que será abordado noutro artigo, no seguimento destes temas ligados às emoções.

Primavera. Agora sim, um período bom e interessante, para se começar algo. Para se desafiar a fazer, a concretizar, o que se pensou, projectou, idealizou, no Inverno. Começar a promover o movimento interno, seja do organismo, da mente, do físico, da casa, do trabalho, para o exterior. Aos poucos, canalizar para fora de nós a energia – dar-lhe essa oportunidade. A energia da Primavera precisa de espaço exterior ao corpo para “brilhar”, para fluir equilibradamente. Terá o seu período de expansão máxima, de auge, no Verão mas para chegar “ao topo” de forma estável precisa de ser conduzida, canalizada, com consciência e com saúde.

Já alguma vez ponderaram em planear ou organizar os meses de acordo com as energias das estações?
O que se desafiam a fazer, a concretizar no agora, que projectaram nos meses anteriores, nos meses do Inverno?

As estações estão em nós, nós fazemos parte delas. Saber tirar o melhor partido desta simbiose é seguir fluindo, na aceitação e na consciência.
Fenómenos naturais com mais anos de existência que a nossa vida na Terra! Leis do Universo, do Cosmos, e dos quais continuamos a fazer parte!

Sê muito bem-vinda Primavera (Prima-Vere) e gratidão Inverno (Hibernum).

Crónica Ana Reis

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